Coronavírus deixa milhares de profissionais da saúde fora de combate na Europa

Em toda a Europa Ocidental, os profissionais de saúde têm utilizado a linguagem da guerra para descrever a luta contra o cornavírus, com alguns hospitais à beira de um colapso. E são esses profissionais os soldados da linha de frente. Segundo o autoridades sanitárias espanholas, dos 40 mil casos de coronavírus confirmados na Espanha, cerca de 5.400 — aproximadamente 14% — são de profissionais da saúde. Nenhum outro país registrou tão alta procentagem entre os infectados.

O temor é que isso se espalhe por toda a Europa. Na Itália, França e Espanha, mais de 30 profissionais de saúde morreram de coronavírus e outros milhares tiveram que ficar isolados.

Em Brescia, epicentro do surto na Itália, entre 10 e 15% dos médicos e enfermeiras foram contaminados e tiveram que ser afastados, de acordo com um médico local. Na França, o sistema público de saúde registrou 490 infectados entre seus membros, uma pequena, mas crescente, parcela entre os cerca de 100 mil profissionais.

O mesmo está começando a acontecer no Reino Unido e nos Estados Unidos, onde a contaminação está caindo, mas ainda tem fôlego. De acordo com números internos registrados por uma soceidade que representa os médicos em Madri, no Hopistal La Paz, um dos maiores da capital espanhola, 426 empregados — 6% do total de profissionais da saúde — estão isolados em casa, após testarem positivo ou apresentarem sintomas do coronavírus. Já no pequeno Hospital Igualada, na Catalunha, um terço dos mil funcionários tiveram que ser afastados.”O vírus já se encontrava entre nós quando estávamos apenas testando aqueles que vinham de Wuhan e depois da Itália”, disse a médica Ángela Hernández Puente. “Alguns de nossos médicos, infelizmente, trabalharam sem a proteção adequada e se tornaram vetores.”

O número de casos, na Espanha, tem dobrado a cada quatro dias, e o país está rapidamente se aproximando de se tornar o epicentro dos contágios. Na terça-feira, os número de mortes lá alcançou os 2.700, ficando atrás apenas da Itália, na Europa. Em Madri, epicentro da Espanha, o número de mortes é tão alto que os corpos estão sendo levados para um ringue olímpico de patinação no gelo, que foi transformado em um necrotério de emergência.

Em algumas casas de repouso, soldados convocados para desinfetar o local encontraram idosos abandonados e alguns mortos em suas camas, o que fez com que promotores públicos investigassem o caso.O fato de a Espanha ter sua população média entre as mais velhas do mundo não ajudou. Mas o governo tardou em impor restrições à mobilidade das pessoas.

Mesmo com a tragédia que se desenhava no norte da Itália, grandes eventos continuavam acontecendo em Madri, onde o governo esperou até o dia 14 de março para declarar estado de emergência, dando ordem de isolamento a todos. A Espanha demorou a se preocupar com seu estoque de equipamento médico. Médicos e enfermeiras tiveram que trabalhar com pouquíssimas máscaras, luvas e outros EPIs (equipamentos de proteção individual), o que foi desastroso para eles.

Tal situação fez com que os profissionais de saúde espanhóis ficassem sobrecarregados e suplicassem por mais equipamentos, segundo relatos de médicos, enfermeiros e equipes responsáveis pela ambulâncias ao The New York Times. Para os que foram contaminados, uma sensação de impotência se instaurou.

“Nosso trabalho é cuidar dos outros e agora temos que ir para casa cuidar de nós mesmos”, desabafou Marc Arnaiz, médico do Hospital Igualada, diagnosticada com o coronavírus. “Muitos de nós trabalhamos por vocação, é chocante e frustrante”. Dr. Arnaiz, 31, disse que provavelmente foi contagiado por um paciente. Ele percebeu os primeiros sintomas no dia 9 de março, quando seu paciente testou positivo.

Como é difícil contabilizar quantos pacientes contaminarão os médicos e vice-versa, o rápido alastramento do vírus dentro de hopistais forçou o governo a trabalhar com um número reduzido de profissionais e equipamentos.

Na semana pasada, o governo criou um plano convocatório de emergência para contratar cerca de 50 mil novos profissionais de saúde, incluindo estudantes de medicina e médicos aposentados.

Depois que seus funcionários começaram a reclamar abertamente sobre a situação, alguns hospitais de Madri pediram silêncio aos membros de sua equipe médica. Muitos entrevistados pelo The New York Times não estavam autoruizados a comentar o caso publicamente e pediram para não serem identificados.

Yolanda, que há 30 anos trabalha como enfermeira em um hospital público de Madri, contou que, quando o surto começou a aumentar na Espanha, ela foi deslocada para uma enfermaria improvisada, onde teve que atuar em outras frentes e sem os equipamentos de proteção necessários.

“Fomos colocados na linha de frente sem o equipamento apropriado e sob o estresse de trabalhar em ambiente totalmemte diferente”, disse ressaltando que nunca antes ela teve que lidar com pacientes entubados. As enfermeiras dessa unidade até usavam máscaras e uniforme hospitalar, mas tinham que reaproveitá-las por conta da falta de material.

“Usar e reusar, várias vezes, acaba por inutilizar a máscara, ela vira um pedaço de papel na nossa cara”, afirmou.

Na última quinta-feira, Yolanda voltou para casa se sentindo febril. No domingo, testou positivo para o coronavírus, junto com outros 30 companheiros. “Fizemos o que podíamos, demos o nosso melhor, mas infelizmente alguns viramos estatística”.

“Quando nos demos conta de que o vírus estava circulando pelos hospitais, ainda éramos orientados a usar os equipamentos de proteção em casos específicos”, lembrou Juanjo Menéndez, o diretor de comunicação do SATSE Madrid. “É um erro básico que um estudante aprende em seu primeiro ano na faculdade.”

Na Espanha, França e Itália, autoridades e profissionais da saúde disseram-se chocados com o estoque de material médico-hospitalar. Giorgio Gori, prefeito de Bergamo, uma das cidades mais afetadas da Itália, disse que “os médicos não estavam protegidos, faltavam equipamentos de proteção suficientes”.

Jean-Paul Hamon, presidente de uma das maiores sociedades médicas da França, contou ao apresentador da TV LCI, na terça-feira, que estava, particularmente preocupado com os empregados que não estão nos hospitais, mas ainda têm contato com pacientes, como os médicos residentes ou cuidadores de idosos. “O Estado está completamente despreparado, apontou o médico que também foi infectado. “Ele (o Estado) nos deve uma explicação”.

“A falta de proteção está por toda a parte, e o improviso parece ser generalizado”, disse Antonio Antela, médico que coordena o setor de doenças infecciosas no hospital universitário de Santiago de Compostela, no noroeste da Espanha. Ele ficou internado por uma semana após contrair pneumonia e testar positivo para o coronavírus.

“A lição é a seguinte: cuide de seu sistema de saúde, porque pode haver outras epidemias e nós deveríamos estar preparados”, afirmou Hamon em entrevista dada por telefone enquanto encontrava-se internado.

O governo espanhol está empenhado na compra de mais equipamentos médicos, assim como na distribuição de 650 mil novos kits para teste em todo o país. Dois aviões de carga chineses cheios de máscaras e outros equipamentos pousaram em Madri e Zaragoza, na terça. Informações O Globo/ Foto: The New York Times

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