De Oxford a um laboratório italiano, corrida pela vacina para covid-19 está ganhando apoio

POMEZIA – Em meados de março – quando a pandemia começava a dominar o mundo – Francesco Calvaruso viu uma caixa da Universidade de Oxford no laboratório onde trabalha ao sul de Roma. Dentro dela, embalados com gelo seco, havia vários pequenos frascos. Cada um deles continha algumas gotas de amostras, um kit inicial para a produção de uma potencial vacina para a covid-19.

O trabalho de sua empresa era transformar algumas gotículas em uma quantidade grande o bastante para 13 mil pessoas – uma quantidade suficiente para realizar ensaios em larga escala que são desenvolvidos agora em vários continentes.

“Nós podíamos realmente sentir a pressão”, disse Calvaruso, gerente de produção da Advent, que precisou de dois meses para crescer, filtrar e purificar uma vacina experimental conhecida como AZD1222.

Essa vacina, como todas as demais projetadas para combater a pandemia, permanece não comprovada. Mas está mais à frente no processo experimental do que os outras, e se transformou na melhor – e talvez única – chance do Ocidente de ter uma vacina viável antes do final do ano.

Oxford fabricou sua própria vacina para uso no primeiro e pequeno teste, conhecido como Fase I. Mas, para os testes maiores atualmente em andamento – envolvendo dezenas de milhares de pessoas -, recorreu à Advent, uma divisão do grupo IRBM, que há uma década tem se concentrado em fazer um tipo específico de vacinas experimentais, usando adenovírus.

A ideia de ter uma vacina tão rapidamente – quando o processo de experimentação e aprovação normalmente leva uma década – pode ter parecido utópica no início do surto.

Mas, dada a escala da pandemia e a velocidade com que os cientistas estão avançando, os países europeus estão fazendo fila atrás do projeto da Universidade de Oxford, dizendo que os primeiros sinais dão motivos para otimismo.

Na semana passada, Itália, Alemanha, França e Holanda fecharam um acordo para 400 milhões de doses da vacina experimental de Oxford, que, se aprovada pelos órgãos reguladores, seria produzida pela farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca. Essa empresa também chegou a acordos semelhantes com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, onde o governo Trump forneceu US$ 1,2 bilhão em financiamento.

“Não podemos pensar em apostar apenas nesta vacina”, disse o ministro da Saúde da Itália, Roberto Speranza, em entrevista. “Mas esta é a vacina que nossos cientistas pensam que ficará pronta antes das outras. Neste momento, não há nenhuma outra empresa dizendo que poderíamos ter a vacina até o final do ano”.

Speranza, em uma visita ao laboratório, disse aos funcionários da empresa que “esta vacina pode estar entre as mais promissoras. Fico arrepiado ao pensar que estamos falando da chance de salvar vidas humanas”.

Na corrida global pela vacina contra o novo coronavírus, mais de 100 laboratórios, universidades e empresas farmacêuticas iniciaram missões experimentais. Mas apenas 11 potenciais vacinas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), atingiram o estágio de testes clínicos. A OMS diz que apenas a vacina da Universidade de Oxford atingiu o que é conhecido como Fase III, o teste final e de maior escala.

As ampolas produzidas neste elegante campus de ciências nos arredores de Roma estão sendo usadas agora nesses ensaios, que estão ocorrendo na Grã-Bretanha. A AstraZeneca também obteve aprovação para realizar um experimento no Brasil, buscando voluntários em partes do mundo onde a pandemia está em andamento. A Advent também está produzindo um lote de doses que serão usadas em testes em vários países africanos.

O laboratório de Oxford teve uma vantagem inicial porque já estava trabalhando em uma vacina com estilo semelhante para Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), outro tipo de coronavírus que foi detectado pela primeira vez na Arábia Saudita em 2012. Oxford diz que sua nova vacina em potencial para a covid-19 mostrou-se eficaz e segura com macacos rhesus durante o estágio inicial do experimento.

“Há uma forte probabilidade de que a vacina funcione”, disse Walter Ricciardi, consultor do governo italiano da OMS.

Mas a vacina está longe de ser uma certeza, de acordo com especialistas.

Pode não funcionar ou pode permitir a inoculação em apenas alguns dos que a receberem. Mesmo quando a vacina chegar ao mercado, continuaremos sem saber se ela oferecerá proteção a longo prazo ou apenas por um ano ou dois. De qualquer maneira, o mundo precisará de mais de uma vacina, pois a demanda vai além do que qualquer empresa poderia produzir.

“A expectativa é que tenhamos uma vacina preventiva. Provavelmente mais de uma”, disse Antonio Cassone, ex-chefe do departamento de doenças infecciosas do Instituto Nacional de Saúde da Itália. “Mas ninguém saberá, quando ela for aplicada, quanto tempo a proteção vai durar. Não sabemos a duração do anticorpo. Este será mais um salto para o desconhecido”.

Uma empresa chinesa de biotecnologia relatou resultados encorajadores em ensaios clínicos em estágio inicial e também está entre os pioneiros a decifrar o código da vacina. Qualquer país que produza a primeira vacina eficaz ganhará não apenas uma dose de orgulho nacional, mas também poderá ter a chance de distribuir as primeiras doses aos seus próprios cidadãos, uma grande vantagem para retornar à normalidade econômica.

Speranza, ministro da Saúde, disse que a Itália estaria disposta a recorrer a qualquer país que produza a vacina, incluindo a China.

“Faremos o que for necessário para chegar a esse ponto” de proteger as pessoas, disse ele.

Stefania Di Marco, principal cientista da Advent, disse que o processo de transformar várias gotas da amostras enviadas por Oxford em três ou quatro litros de vacina “não é simples”. Ela disse que os cientistas tinham que criar condições nas quais elas se transformassem em uma massa muito maior. Em seguida, eles tiveram que remover as impurezas usando um gel que isola a vacina dos contaminantes.

“Se não funcionasse”, disse ela, “isso significaria dois a três meses de trabalho jogado fora”, e o cronograma da vacina seria adiado.

Existem vários tipos de vacinas, e a desenvolvida por Oxford usa uma versão aprimorada de um vírus encontrado nos chimpanzés – algo que, se injetado no corpo humano, deve desencadear uma resposta imune. O vírus do chimpanzé é carregado com uma réplica sintetizada da arma mais importante do novo coronavírus, a chamada “proteínas da espícula” que ele usa como um arpão para entrar nas células humanas.

O objetivo, disse Di Marco, “é que o corpo pense: ‘Ok, esse é um vírus de verdade'”.

A Universidade de Oxford disse que não se pronunciará enquanto os ensaios estiverem em andamento.

No final de abril, a AstraZeneca anunciou um acordo com Oxford para o desenvolvimento e distribuição global da potencial vacina. Em junho, ela concordou em licenciar um instituto na Índia que forneceria doses para países de baixa e média renda. A Advent disse que ainda não tinha um acordo semelhante, mas espera produzir a vacina se for aprovada pelos reguladores.

“Certamente continuaremos fazendo parte do jogo”, disse Piero Di Lorenzo, diretor-executivo do IRBM. “Nós oferecemos nossa ajuda à AstraZeneca e ao governo italiano e estamos esperando que eles nos digam como proceder quando os testes terminarem”.

“Agora, ele disse,” precisamos cruzar os dedos e esperar pela resposta da ciência “. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA/ Informações: Estadão/ Foto: Andreas Gebert/Reuters

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