Presunção de Inocência: cláusula pétrea da Constituição – deboche do filho do Presidente.

Por Giselle Marques de Araujo
Advogada, Doutora em Direito pela UVA-RJ.
OAB-MS 4966. OAB-RJ 175297.
Pós-Doutoranda em Meio Ambiente

A geração de pessoas cuja idade atualmente gira em torno dos 50 anos, talvez seja a que mais experimentou mudanças ao longo da caminhada da humanidade nesse maltratado e maravilhoso Planeta. Quando crianças não existiam internet, celular, quase ninguém tinha carro (nem mesmo fusca) e televisão era luxo para poucos. Nem mesmo democracia havia.

Não havia voto para a presidência da República e a política era assunto para meia dúzia de civis privilegiados que transitavam em seus Opalas pretos de chapa branca pagos com dinheiro do povo, levando esposas e filhos para compras ou visitas às casas de parentes menos afortunados.

Não imaginávamos que viveríamos para derrubar um regime militar pela força do povo caminhando e cantando nas ruas pedindo “Diretas Já”, que construiríamos um grande pacto civilizatório através de uma Constituição Cidadã, que elegeríamos governos de esquerda pelo voto direto, que veríamos grandes líderes desse movimento enredados em graves denúncias de corrupção, as quais nos fariam questionar nossas próprias condutas éticas criando um ambiente de desencanto que levasse a um retrocesso- não às verdades primeiras, mas à Idade Média, das trevas, antes que o Século das Luzes se avizinhasse.

Uma das conquistas constitucionais em risco, a presunção da inocência, é sinal evidente das atuais mudanças. Na véspera do julgamento dessa questão pelo Supremo Tribunal Federal três dos onze Ministros do STF, visitaram o Palácio do Planalto. Não se sabe o conteúdo da conversa, talvez colocando em risco um dos pilares do estado moderno: a independência dos Poderes. No dia seguinte o presidente anunciou pelo Twitter: “Aos que questionam, sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância”. Seria um recado para os Ministros do STF, em dúvida sobre a posição do chefe do Poder Executivo? Seria um pássaro? Um avião? A opinião do “Super-Homem”? Não, era apenas o filhinho do papai brincando de “twitar”, verbo que surgiu na última década.

O vereador Carlos Bolsonaro, filho do Presidente da República Federativa do Brasil e vereador no Rio de Janeiro, admitiu publicamente ter cometido crime ao usar falsamente a identidade do Presidente da República sem autorização, em flagrante desrespeito ao Art. 307 do Código Penal, que diz: “Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: Pena: detenção, de três meses a um
ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave”. O dano, nesse caso, foi causado ao Comandante Supremo das Forças Armadas (conforme artigo 2º. da Lei Complementar 97/1999) e a toda o povo brasileiro, desprovidos que estamos da garantia de não interferência do Poder Executivo no Poder Judiciário.

Da mesma forma, a cidadania brasileira está ameaçada de retroceder em relação à garantia prevista no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, que prevê textualmente: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Querem promover uma emenda constitucional pela via inadequada, pois não cabe ao Judiciário e sim ao Legislativo a modificação do texto constitucional. Aliás, essa mudança não é admitida nem mesmo pelo Legislativo, por se tratar de cláusula pétrea da Constituição, conforme previsto no art. 60, §4º, IV da Constituição Federal: “Art. 60. § 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais.” A Constituição não foi promulgada “de graça”. Uma geração inteira pagou o preço de lutar por ela, discuti-la, disputá-la e efetivá-la.

Não podemos nos conformar com as trevas. É preciso sonhar e lutar por um novo século das luzes, não as luzes emitidas pelos celulares, computadores e ipads. Mas sim aquelas que iluminam valores como liberdade, direitos humanos, justiça social e democracia.

Colaborou na reflexão deste artigo Geraldo Augusto, empresário do setor ambiental.

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