Um professor de Estudos Sociais durante suas aulas fez um desafio aos alunos: deveriam desenvolver um trabalho com o objetivo de mudar o mundo. Para atender o desafio proposto, um dos alunos criou um jogo em que a pessoa, a cada favor recebido, tinha de retribuir para outras três pessoas, e assim sucessivamente. Seu trabalho tinha como base transformar a vida das pessoas, ou seja, mudar realmente o mundo. Ele o chamou de Pay it forward (“Passe adiante”). O plano do jovem estudante colocou em movimento uma onda sem precedentes de bondade humana que, sem que soubesse, floresceu em um profundo fenômeno nacional.
A história é parte da narrativa do filme americano “Corrente do Bem” (lançado em 2000), mas bem que poderia falar sobre o trabalho que está sendo feito na Escola Estadual Olinda Teixeira Bacha (eleita em 2013 uma das seis melhores escolas do País, no Prêmio Gestão Escolar), localizada no Bairro Buriti, que atende cerca de 1200 alunos nos três turnos. E é nesta escola, conhecida pelo esforço de fortalecimento dos laços entre família e instituição, que o professor de História, Jorcinei Pereira Nunes, está desenvolvendo o projeto “Anjos do Bem”.
Trata-se de grupo de alunos que recebe orientações pedagógicas e psicológicas para, futuramente, ajudar outros colegas. O projeto que está sendo construído, tem o objetivo de valorizar a vida e elevar a autoestima dos alunos que sofrem de patologias, inseguranças e angústias. A geração atual, de acordo com a diretora da Escola, Evelise Ribeiro Valadares, é muito fechada em si mesma. “Hoje em dia é muito mais difícil lidar com os conflitos dos adolescentes”, diz Evelise Ribeiro Valadares da Silveira, explicando que os adolescentes querem conversar com alguém em que eles confiam. “Queremos que eles saibam que a escola pode ajudá-los”.
A psicologia e autoconhecimento
A ideia do professor Jorcinei com os “Anjos do Bem” é fortalecer a autoestima dos adolescentes e despertar neles a vontade de ajudar positivamente os colegas. Uma das ações conta com a ajuda da psicóloga Elenise Roldan Megarejo, que se dispôs a colaborar, de forma voluntária, com o projeto. Através de reuniões quinzenais, chamadas de Rodas de Conversa, Elenise está criando vínculos com os alunos através de dinâmicas que visam o autoconhecimento. “Para ajudar os outros é preciso antes cuidar de si mesmo”, afirma.
Inicialmente formado por 11 alunas (entre 12 e 14 anos), o grupo já está com 32 integrantes. “Todos querem fazer parte do grupo porque já estão percebendo mudanças nos colegas”, conta a diretora, que todos os dias é abordada por algum aluno querendo fazer parte do grupo. O projeto, segundo Elenise, é uma espécie de piloto. “Assim que estes adolescentes estiverem prontos, podemos formar novas turmas com o mesmo objetivo”, esclarece. Por enquanto os anjos da Escola Olinda Teixeira Bacha têm maioria de meninas. “Os meninos têm mais dificuldade de se abrir”, atesta Elenise.
A iniciativa do professor Jorcinei, que logo ganhou a simpatia de toda a Escola, pode ajudar bastante a diminuir, ou mesmo cessar, algumas situações comuns nas grandes escolas, tais como: bullying, violência, síndrome de pânico, depressão e uma questão bastante delicada e recorrente que é a autolesão. Meninos e meninas que se cortam com lâminas, muitas vezes retiradas dos apontadores de lápis. “Esta geração sofre de uma angústia tão grande que eles perdem até a vontade de viver”, explica. E o que é ainda pior: por pressão do grupo, os colegas tendem a imitar comportamentos autodestrutivos. E um dos motivos, de acordo com a psicóloga, é a necessidade de fazer o que os outros fazem. Além de cortar este ciclo, como explicou Elenise, é preciso tirar a cortina de fumaça que cobre o assunto. “Não podemos mais ignorar o que acontece”, diz.
Carência afetiva é uma das principais queixas
Acolher o aluno é fundamental neste processo, principalmente porque, na maioria das vezes, a autoestima fica bastante afetada. De acordo com o professor, uma das principais queixas é a falta de afeto. “Eles acham que não são amados”, diz. Um dos motivos para a baixa autoestima, segundo Evelise, é a dificuldade que a geração atual tem em aceitar limites. As consequências, de acordo com a diretora, começam a aparecer na pré-adolescência. Muitos têm problemas com a família, principalmente com o padrasto ou a madrasta, e outros pensam que a vida do outro é sempre melhor que a dele. “As redes sociais transformam a vida das pessoas num conto de fadas, porque ninguém posta algo ruim”, aponta Evelise, chamando a atenção para a importância do diálogo e da atenção dos pais à mudança de comportamento. “A Escola precisa dos pais”, afirma, chamando a atenção para a necessidade do acolhimento. “A verdade quando não é dita de forma amorosa pode soar como uma violência”.
E é na esteira da aceitação, do aprendizado e da escuta empática, que os “Anjos do Bem” estão ajudando estes adolescentes. Afinal, vai longe o tempo em que os alunos iam à escola apenas para estudar as matérias do currículo. “A formação e as questões emocionais dos nossos alunos hoje estão na base nacional como atribuição da Escola”, reconhece o professor Jorcinei. Além do trabalho psicológico, o grupo é chamado para participar de forma ativa nas atividades escolares como gincanas, e competições esportivas entre classes. A escola também incentiva o lado artístico dos alunos través da música, dança e da leitura, instrumentos importantes para mudar positivamente o foco dos alunos.
As alunas Maria Eduarda Bastos Braz (13 anos), Alexandra Aguirre Carvalho (13 anos) e Taila Gonçalves de Souza (12 anos), estão orgulhosas de fazerem parte dos “Anjos do Bem”. Cada uma delas deixa transparecer a esperança de uma mudança. “A mudança começa pela gente”, admitem. Em comum elas têm ótimo desempenho escolar e a vontade genuína de ajudar os outros. Quando percebem um comportamento diferente no colega, principalmente através de posts nas redes sociais, elas costumam abordá-lo informalmente. “Somos amigas de todo mundo e eles se abrem com a gente”, dizem.
Protocolo de ajuda
Com total suporte da Secretaria de Educação do Estado, a escola também está preparada para lidar com casos mais complexos. Em casos mais críticos, quando a ajuda desta rede de apoio ainda é insuficiente, a direção aciona o protocolo que está no manual fornecido pela Secretaria através do COPED – Coordenadoria de Psicologia Educacional. O primeiro passo é o preenchimento da ficha de notificação. Em seguida chama-se a família e encaminha o aluno (a) para o Conselho Tutelar ou diretamente para a Unidade básica de saúde e, se necessário, para a autoridade policial. A norma, que entrou em vigor no início deste ano, facilita o trabalho da Escola. Na opinião da diretora, isto é uma clara demonstração do quanto a Secretaria está atenta à estas questões de saúde mental. O Bullyng, por exemplo, é algo que a maioria das escolas enfrenta. “Nós não podemos mais deixar passar esta situação, por mais insignificante que possa parecer”, explica.
Para a coordenadora do COPED, Paola Nogueira Lopes, toda iniciativa para dar vez e voz ao estudante é sempre benvinda. E as escolas, segundo ela, tem autonomia para elaborar projetos e fazer parcerias com profissionais especializados. Neste sentido, o COPED, que conta com três profissionais da área de psicologia, realiza um trabalho sistemático, com reuniões em todo Estado para orientar o que os professores devem e podem fazer. Com pouco mais de um ano de existência, a Coordenadoria, junto com a Superintendência de Políticas Educacionais e a Secretaria, está desenvolvendo uma série de políticas públicas. Entre elas a implantação da ficha digital que será compartilhada, através da rede, com todas as instituições envolvidas.
(*) Governo do Estado de MS.