Discursos afinados de estados e municípios permitiram Argentina adotar quarentena total

O governo do presidente argentino, Alberto Fernández, confirmou o primeiro caso de coronavírus no país em 3 de março. Treze dias depois fechou as escolas e universidades, e 16 dias mais tarde aprovou por decreto uma quarentena total. A drástica medida contou com o apoio da grande maioria dos argentinos, de todos os partidos políticos, governos estaduais e municipais. E foi adotada após uma conversa telefônica entre o chefe de Estado e seu antecessor, Mauricio Macri. O país, mergulhado numa gravíssima crise econômica, literalmente parou, e a decisão de Fernández de tratar o não cumprimento da quarentena como delito foi aplaudida em massa pela população e respaldada por todo o sistema político.

Um dos comentários que mais se ouve entre argentinos nos últimos dias menciona como o país tem treinamento para enfrentar crises. Os argentinos vivem às voltas com turbulências econômicas, financeiras, sociais e políticas, e crises são parte do dia a dia das pessoas há décadas. A do coronavírus, para surpresa de muitos, gerou um clima de união nacional que contrasta com o ambiente que se viveu até pouco tempo atrás. As disputas entre peronistas, kirchneristas e macristas foram, salvo raras excessões, deixadas de lado.

— Esta crise, em certo sentido, é uma oportunidade para (o presidente) mostrar liderança, quando se cumprem cem dias de uma gestão que não tem muitas conquistas para apresentar — opinou Ignacio Labaqui, professor da Universidade Católica Argentina (UCA), que viu na união dos políticos algo “um pouco surpreendente, considerando a dinâmica nos últimos 15 anos”.

Fernández assinou o decreto de quarentena total após ser informado pelo presidente da Câmara, o peronista Sergio Massa, de que todos os partidos apoiariam a medida. O chefe de Estado já vinha analisando a possibilidade e antecipou o anúncio depois de ver, entre outras coisas, imagens de carros tentando entrar no balneário de Pinamar, um dos mais badalados da província de Buenos Aires — pessoas tentando transformar a quarentena não compulsória em férias — e sendo impedidos pelos moradores.

Embora a primeira reação do governo argentino ao coronavírus tenha sido equivocada — o ministro da Saúde afirmou que a doença demoraria a chegar no país —, houve uma autocrítica quase imediata. Analistas políticos como Carlos Fara acreditam que a firmeza mostrada por Fernández foi bem recebida pela população em geral e renderá bons frutos em matéria de aprovação à sua gestão:— A comunicação foi um pouco errática, mas se ele toma medidas duras sem titubear, o mais provável é que o balanço seja positivo.

Salvo situações excepcionais que rapidamente viralizam nas redes, são denunciadas e contidas por uma ação contundente das forças de segurança — 200 pessoas foram presas ontem por desobediência à quarentena —, os argentinos estão cumprindo à risca o isolamento. Autoridades dizem estar preparadas para o pior cenário e não escondem os riscos de um colapso do sistema de Saúde.

— Não podemos nos dar ao luxo de trabalhar para um cenário moderado. Estamos trabalhando para o pior dos cenários — declarou Carlos Bianco, chefe de gabinete da província de Buenos Aires.

O governo argentino realocou recursos do Orçamento para a Saúde e estuda, por exemplo, usar hotéis de luxo para isolar pacientes com Covid-19. O comércio funciona parcialmente, e grandes redes de supermercados limitam a quantidade de pessoas que podem entrar. Muito antes que outros países, a Argentina fechou as fronteiras e limitou drasticamente a entrada de estrangeiros no território. Até agora morreram apenas três pacientes com coronavírus, e o número de infectados está em torno de 128.

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