Síndrome inflamatória potencialmente ligada ao coronavírus preocupa pediatras brasileiros

Embora o risco de agravamento dos casos do novo coronavírus seja maior entre os mais velhos, relatos de crianças que desenvolveram sintomas de uma síndrome inflamatória ainda pouco conhecida e potencialmente ligada à covid-19 preocupam especialistas ao redor do mundo. Estados Unidos, Reino Unido e Europa já investigam casos do tipo, que também acionaram o alerta de pediatras brasileiros.

Na semana passada, o serviço público de saúde do Reino Unido, NHS, emitiu um alerta sobre um pequeno número de crianças que apresentavam um conjunto pouco comum de sintomas, incluindo transtornos gastrointestinais e inflamação em torno do coração. Elas tiveram que receber cuidados intensivos, segundo o informe publicado no diário do serviço de saúde. Em entrevista à emissora de rádio LBC, o ministro da saúde britânico afirmou que algumas das crianças com o quadro testaram positivo para a covid-19.

Também já há relatos do tipo em outros locais na Europa e nos Estados Unidos, que, de acordo com o jornal New York Times, teve quinze crianças hospitalizadas em Nova York com “uma síndrome misteriosa” – muitas das quais testaram positivo para a covid-19.

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Equipe médica trata paciente infectado com coronavírus na região de Paris, na França; na Europa, há relatos de crianças que desenvolveram síndrome respiratória potencialmente ligada à covid-19  Foto: REUTERS/Gonzalo Fuentes

Os sintomas relatados chegaram a ser associados aos da síndrome de Kawasaki, uma síndrome vascular que ainda não tem uma causa conhecida, e que acomete sobretudo crianças, gerando, entre outros, uma intensa manifestação inflamatória.

No Brasil, o médico e professor de pediatria da Faculdade de Medicina de Jundiaí Saulo Passos conta que ainda não recebeu nenhum caso assim, mas que a questão já está em seu radar.  Membro do grupo Rekamlatina, que reúne pesquisadores da América Latina que estudam a síndrome de Kawasaki, Passos relata que o grupo dará início a uma pesquisa por conta da possível associação entre o coronavírus e a síndrome. “Existe uma teoria de que a covid poderia ser o gatilho inicial para a doença de Kawasaki”, afirma.

Passos explica que ainda não se sabe muito bem a causa da síndrome de Kawasaki. “Sabe-se que ela é uma vasculite, e envolve principalmente artérias do coração”, afirma o médico, que diz que o paciente acometido pode ter febre alta, irritabilidade, olhos vermelhos, dor de garganta e inchaço no pescoço, além de palma da mão e pé inchados e vermelhos. Os sintomas como febre, dor de garganta e vermelho no corpo também podem ser sugestivos de covid-19, diz Passos, que ressalta que é preciso ficar atento.

Já o cardiologista pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein Gustavo Foronda pondera que ainda não é possível observar uma relação direta entre esse quadro de síndrome inflamatória e a síndrome de Kawasaki. “O que acreditamos hoje é que, talvez, o novo coronavírus  desenvolva uma resposta multissistêmica inflamatória nas crianças, que seria uma forma de apresentação da covid-19 na faixa-etária pediátrica”, afirma.

Foronda explica que, até agora, os quadros dessa síndrome inflamatória, que começaram a ser observados em países do ocidente, se apresentaram geralmente com dor abdominal e diarreia, podendo evoluir para uma inflamação multissistêmica. No Brasil, ele relata que uma criança morreu em São Paulo depois de ter sido diagnosticada com a covid-19 e ter tido “um acometimento cardíaco importante, com quadro de choque e um processo inflamatório intenso, que pode ser encaixado nesta síndrome.” “Essa criança tinha 12 anos e teve um quadro inicial respiratório, que evoluiu de forma dramática”, diz Foronda, que ressalta que os pediatras na linha de frente da luta contra o coronavírus devem ficar atentos a esse tipo de manifestação.

O presidente do departamento de infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, Marco Aurélio Sáfadi, conta que não recebeu pessoalmente nenhum caso com esta descrição. De acordo com ele, o entendimento que se tem é que  o vírus pode funcionar como um desencadeador dessas manifestações inflamatórias intensas em algumas poucas crianças. “O que não entendemos ainda é por que essas crianças desenvolvem esses quadros mais graves”, diz.

A situação já mobilizou diversos profissionais em torno do tema. Mas, apesar de preocupante, ela é atípica. Sáfadi reforça que o comportamento da covid-19 continua sendo “favorável” do ponto de vista da repercussão nas crianças, que desenvolvem casos mais leves.

“É importante destacar, antes de mais nada, que são ocorrências esporádicas, que foram observadas em países da Europa, na Espanha, Itália, França, e agora também nos Estados Unidos, da ocorrência de algumas manifestações em crianças e adolescentes. Isso serve de alerta, chama a atenção para a ocorrência dessas formas, mas são manifestações que se mostraram bastante pouco frequentes.”  /com informações da AFP/ Estadão/ Foto Capa: REUTERS/Gonzalo Fuentes

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