Os pesquisadores analisaram 136 variáveis para averiguar como afetavam a resposta imunológica
Fumar tabaco é tão prejudicial ao corpo que altera o Sistema Imunológico de uma pessoa, a deixando vulnerável ao desenvolvimento de doenças e infecções, mesmo anos depois de ter parado de fumar. É o que aponta um novo estudo.
Embora as taxas de tabagismo tenham diminuído desde a década de 1960, o ato de fumar continua a ser a principal causa de morte evitável nos Estados Unidos, causando mais de 480 mil mortes por ano.
Durante décadas, os profissionais da saúde alertam os fumantes sobre como esse hábito pode levar a problemas graves, como câncer no pulmão, ataques cardíacos ou AVC. Mas um estudo publicado nesta quarta-feira (14) na revista Nature oferece outra razão para deixar de fumar.
A pesquisa mostra como fumar diminui a capacidade do corpo de combater infecções imediatamente e ao longo do tempo, além de colocar as pessoas em risco diante de doenças crônicas que envolvem inflamação, como artrite reumatoide e lúpus.
“Pare de fumar o mais rápido possível”, alertou a coautora do estudo Violaine Saint-André, especialista em biologia computacional do Instituto Pasteur de Paris.
“A principal mensagem do nosso estudo, especialmente para os jovens, é que parece haver um impacto significativo na imunidade em longo prazo, algo para nunca começar a fumar”.
Os pesquisadores observaram amostras de sangue de um grupo de 1.000 pessoas saudáveis entre 20 e 69 anos ao longo do tempo. O grupo foi dividido igualmente entre homens e mulheres.
Os pesquisadores queriam ver como 136 variáveis, incluindo estilo de vida, questões socioeconómicas e hábitos alimentares, bem como idade, sexo e genética, afetavam a resposta imunológica. Eles expuseram amostras de sangue a germes comuns, como a bactéria E. coli e o vírus da gripe, e mediram a resposta imunológica.
O índice de massa corporal e uma infecção latente causada pelo vírus do herpes tiveram o maior impacto, sendo o tabagismo a causa da maior mudança, apresentando quase o mesmo impacto na resposta imunológica do que fatores importantes como idade ou sexo. “É considerável”, disse Saint-André.
Quando os fumantes do estudo pararam, a sua resposta imunológica melhorou um nível, mas não se recuperou totalmente durante anos, de acordo com o coautor do estudo Darragh Duffy, que dirige a unidade de Imunologia Translacional do Instituto Pasteur.
“A boa notícia é que está começando a ser restaurado”, disse ele. “Nunca há um bom momento para começar a fumar, mas se você é fumante, o melhor momento para parar é agora.”
O estudo também descobriu que quanto mais alguém fumava, mais sua resposta imunológica mudava. “Reduzir qualquer valor ainda é uma coisa boa em termos deste impacto”, disse Duffy.
O estudo descobriu que fumar parecia ter efeitos epigenéticos de longo prazo nas duas principais formas de proteção do Sistema Imunológico: a resposta inata e a resposta adaptativa. O efeito na resposta inata desaparece rapidamente quando alguém para de fumar, mas o efeito na resposta adaptativa persiste mesmo depois de parar de fumar.
A resposta imune inata é a maneira geral pela qual a pele, as membranas mucosas, as células do Sistema Imunológico e as proteínas combatem os germes. É um movimento rápido, mas é um instrumento contundente. Quando o corpo determina que a resposta inata não é suficientemente protetora, o Sistema Imunológico adaptativo entra em ação. É composto de anticorpos no sangue e outros fluidos corporais, linfócitos B e T, que podem “lembrar” uma ameaça e atacar melhor as ameaças que já foram vistas antes.
Curto e longo prazo
“A principal descoberta do nosso estudo é que fumar tem efeitos a curto prazo, mas também a longo prazo, na imunidade adaptativa associada às células B e às células T reguladoras e às alterações epigenéticas”, disse Saint-André.
A nova pesquisa, no entanto, tem algumas limitações. O experimento foi feito com amostras de sangue em laboratório, mas o Sistema Imunológico pode reagir de forma diferente na vida real. No entanto, os estudos de exposição humana ainda são relativamente limitados em tamanho em comparação com o que foram capazes de mostrar com uma grande recolha de amostras de sangue, de acordo com Duffy.
Yasmin Thanavala, professora de oncologia do Departamento de Imunologia do Roswell Park Cancer Institute, cuja pesquisa sobre a resposta imunológica ao tabagismo foi mencionada no novo estudo, disse que o trabalho foi “uma validação maravilhosa” do que sua pesquisa descobriu ao longo dos últimos anos.
A pesquisa de Thanavala expôs ratos à fumaça do tabaco em vez de sangue humano. Esses ratos eliminaram uma infecção bacteriana de forma menos eficiente e com uma resposta imunológica menos robusta do que os ratos que não foram expostos. As alterações nos pulmões diminuem, disse ela, mas “nunca desaparecem”.
Yasmin aponta uma limitação do novo estudo que espera que os pesquisadores resolvam no futuro: a homogeneidade dos participantes, que eram todos franceses e não tinham peso corporal elevado.
“Sabemos que muitas coisas, além do fumo, afetam a nossa resposta imunológica. Nossa base genética afeta nossa resposta imunológica. Há também evidências crescentes de que o nosso peso corporal, a obesidade, afeta a resposta imunológica”, disse Thanavala.
Albert Rizzo, diretor médico da Associação Médica Americana, disse que os médicos sabem há muito tempo que fumar causa inflamação nos pulmões, mas isso não explica todos os problemas do Sistema Imunológico.
Também parece explicar por que mesmo os fumantes que pararam de fumar podem desenvolver doenças como às pulmonares obstrutivas crônicas ou DPOC.
“Este estudo é útil porque nos diz o que sempre pensamos, mas agora começa a explicar o porquê”, disse Rizzo, que não esteve envolvido na pesquisa.