Arqueólogos encontraram a joia escondida dentro da parede de um edifício com mais de 2.000 anos
Um prédio de dois andares queimou até o chão há mais de 2.000 anos nas montanhas dos Pireneus, no nordeste da Península Ibérica, na Espanha. O fogo consumiu a estrutura de madeira, situada em um assentamento da Idade do Ferro, matando seis animais presos no estábulo.
O destino das pessoas que usavam o edifício é desconhecido, mas detalhes de suas vidas permanecem preservados em algumas pistas queimadas, incluindo pedaços de cerâmica, ferramentas para trabalho têxtil e uma picareta de metal, descobertos recentemente por arqueólogos.
Eles também encontraram um objeto precioso: um brinco de ouro de 2 centímetros de comprimento. A joia estava escondida dentro de um pequeno jarro colocado dentro uma parede, talvez para mantê-lo seguro dos supostos saqueadores que atearam fogo no local, de acordo com um estudo publicado na sexta-feira (20) no periódico Frontiers in Environmental Archaeology.
O local do assentamento é chamado Tossal de Baltarga, e milhares de anos atrás, uma comunidade de povos ibéricos conhecida como Cerretani ocupou a vila. Este grupo antecedeu a ocupação romana da Ibéria e deixou sua marca na região em entalhes nas rochas de montanhas.
No entanto, os pesquisadores ainda estão juntando pistas sobre a vida dos Cerretani, incluindo os significados desses entalhes, apontou o principal autor do estudo, Dr. Oriol Olesti Vila, professor associado da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha.
Cientistas descobriram vários edifícios queimados em Tossal de Baltarga desde 2011, todos datados do século 3 a.C. Arqueólogos escavaram recentemente uma estrutura não residencial e multiuso chamada Edifício G, o edifício mais bem preservado do local. Ele media cerca de 8 metros de comprimento por 2 metros de largura, e seu conteúdo oferece um vislumbre sem precedentes da vida Cerretani na Idade do Ferro Ibérica.
Mas as ruínas enegrecidas também preservam uma história mais sombria. A destruição de todo o assentamento pelo fogo sugere que o incêndio foi provocado deliberadamente. E a cronologia do incêndio sugere que seus causadores podem ter sido um exército invasor sob o comando de Aníbal, o general cartaginês que liderou tropas contra a República Romana e cruzou os Pireneus por volta dessa época, durante a Segunda Guerra Púnica (218 a.C. a 201 a.C.), escreveram os pesquisadores no estudo.
Pistas do estilo de vida
Embora o andar superior do Edifício G tenha desabado quando as vigas de sustentação queimaram, ele ainda manteve traços de sua estrutura anterior, com tijolos de barro na parte leste do piso e pedras na seção oeste. Uma explicação para isto é que o andar superior pode ter sido dividido em dois espaços distintos usados para tarefas diferentes, disseram os cientistas.
Mais de 1.000 fragmentos de cerâmica do andar superior indicam uma variedade de recipientes, usados para cozinhar, comer, beber e armazenar. Oito recipientes de cozinha estavam quase completos quando encontrados, e a análise química revelou que eles continham resíduos orgânicos: gorduras animais, laticínios e plantas.
O design de alguns recipientes indicaram que eles foram adquiridos de outra região ibérica por meio do comércio. Mais de uma dúzia de pesos para um tear e fusos disseram aos pesquisadores que os ocupantes do edifício estavam fiando e tecendo com lã.
No estábulo, cientistas encontraram os restos mortais de um cavalo, quatro ovelhas e uma cabra. O cavalo era mantido em um estábulo separado, e partículas carbonizadas mostravam uma variedade de gramíneas e plantas locais, bem como grãos cultivados, armazenados ali como ração para o gado.
A presença de um cavalo no estábulo sugeria que essas pessoas eram mais ricas do que alguns de seus vizinhos, disse Olesti Vila.
“Na antiguidade, os cavalos não eram os animais típicos que uma família camponesa normal teria”, pois eram caros para alimentar e não eram mantidos por sua carne ou leite, disse Olesti Vila. “Em geral, os cavalos são conectados com a elite.”
Essa descoberta forneceu aos arqueólogos outra pista importante sobre a estrutura social na antiga Península Ibérica, introduzindo a possibilidade de uma classe “aristocrata”, escreveram os autores do estudo.
Um “momento no tempo”
Suas descobertas iluminam o estilo de vida dos Cerretani, mostrando o trabalho têxtil e o uso da agricultura e de recursos naturais da população. A análise do brinco de ouro escondido revelou traços de prata misturada com ouro local, mostrando que os Cerretani também estavam familiarizados com a metalurgia.
Descobrir um “momento no tempo” como esse é excepcional para o registro arqueológico, disse a Dra. Bettina Arnold, professora do departamento de antropologia da Universidade de Wisconsin-Milwaukee, que não estava envolvida na pesquisa.
O sítio fornece percepções importantes sobre a vida diária das populações da Idade do Ferro Ibérica nos Pireneus neste momento crucial da história, disse Arnold em um e-mail.
“O aspecto mais impressionante da escavação do Edifício G é a amplitude das análises científicas realizadas sobre os achados ali recuperados, que revelam uma comunidade autossuficiente em relação a algumas atividades de produção, como fiação e tecelagem de lã”, disse Arnold.
No entanto, a análise também mostrou que essa comunidade fazia parte de uma grande rede regional de trocas “por meio do comércio e presumivelmente de laços de obrigação”, ligando-os à liderança tribal ibérica, acrescentou ela.
Ataque mortal
O fato de os animais terem morrido dentro do estábulo ofereceu aos pesquisadores outra pista sobre as terríveis circunstâncias do incêndio.
Durante a Idade do Ferro, quando as pessoas viviam em casas de madeira aquecidas por fogo, os prédios frequentemente queimavam acidentalmente. Mas se esse fosse o caso do incêndio, os donos dos animais provavelmente teriam aberto as portas do estábulo para salvar seus rebanhos, disse Olesti Vila.
Eles provavelmente também teriam retornado depois que o fogo se apagou para recuperar seu tesouro escondido — o brinco de ouro que esconderam em uma jarra.
“Isso também é uma indicação de algum tipo de conflito ou algum tipo de agressão violenta”, disse Olesti Vila. Os cientistas suspeitam que a comunidade pode ter sido afetada pela Segunda Guerra Púnica e travessia de Aníbal, por causa da cronologia e do contexto, mas como a data precisa do incêndio é desconhecida, essa conexão é apenas uma hipótese, disse ele.
De fato, a existência de ataques violentos entre populações da Idade do Ferro na Europa, com bandos de invasores fugindo com objetos de valor, gado e até mesmo pessoas, “é bem atestada arqueologicamente”, segundo Arnold, e não está necessariamente associada a um evento histórico específico como as campanhas de Aníbal.