Conheça a trajetória do fotojornalista que registrou a história de Mato Grosso do Sul
Desde os tempos difíceis da infância, vendendo balas nos clubes de Campo Grande, até os desafios emocionais impostos pela quimioterapia e pelo Alzheimer. A vida de um fotojornalista de Mato Grosso do Sul tem sido marcada por resistência, superação e uma paixão inabalável pela fotografia. Este personagem específico é conhecido, é Roberto Higa.
A trajetória de vida de um homem que, ao longo das décadas, não só capturou momentos históricos, como também foi parte integrante destes acontecimentos, revela um relato de resiliência e amor pela profissão.
“Agora é assim, né? Cada dia é um dia. Não tem saída. Então, agora é cada dia viver um dia de cada vez.”
Roberto Higa.
Assim, o profissional por trás das câmeras descreve a perspectiva que ganhou após o diagnóstico de câncer, uma doença que, como ele mesmo diz, “mexe com tudo”, afetando não apenas o corpo, mas também a mente e o emocional.
O câncer, aliado a uma luta contra o Alzheimer, trouxe mudanças significativas. Higa enfrenta o quadro clínico com coragem, mantendo o desejo de continuar registrando o mundo através da fiel inseparável, a câmera.
O entusiasmo com a fotografia nunca diminuiu, mesmo com os altos e baixos da saúde.
Da infância ao fotojornalismo
Nascido em 1951, em uma família numerosa, o fotojornalista teve uma infância marcada pela necessidade de trabalhar desde cedo.
“Eu comecei a trabalhar com sete anos. Vendia balas em clubes e era aprendiz de rádio telegrafia. O que eu ganhava era para ajudar em casa”, relembra.
A história do fotojornalista é a história de um jovem que, desde a infância, teve que lidar com as responsabilidades da vida adulta, mas sem jamais perder a esperança e a energia para realizar seus sonhos.
Foi na juventude, quando a irmã o ajudou a arranjar um trabalho mais digno no extinto “Diário da Serra”, que ele encontrou a verdadeira vocação. Foi lá que conheceu Danton Larro, um fotógrafo experiente que já havia trabalhado em quatro Copas do Mundo.
“Ele me ensinou fotografia em troca de eu cuidar dos filhos dele. Foi aí que descobri minha paixão pelas imagens.”
Influenciado por Larro, Higa decidiu buscar novos horizontes, indo para São Paulo, onde aprendeu mais sobre o ofício e, um dia, ao voltar para Campo Grande, decidiu expor suas fotografias. Foi então que a carreira ganhou reconhecimento.
“O governador visitou o Diário da Serra e fotografou ele na minha primeira exposição. A sorte estava ao meu lado.”
A fotografia como forma de existir
O fotojornalismo nas décadas passadas não era uma tarefa fácil. “Sobreviver no jornalismo era uma missão”, ele reflete. A escassez de recursos e a falta de remuneração justa tornavam o trabalho desgastante.
Higa relembra a precariedade da profissão, os laboratórios improvisados e até mesmo os perigos do trabalho com químicos. “Cheguei a ser intoxicado por ácido acético. Era outro tempo, mas tudo valia a pena.”
No entanto, a paixão pela fotografia e o desejo de se destacar o motivaram a persistir.
O amor pela fotografia foi fio condutor ao longo da vida. Desde a cobertura de eventos históricos em Campo Grande até as pequenas histórias do dia a dia, o fotojornalista sempre teve a sensação de que a câmera era uma extensão de si mesmo.
“Eu sou tarado por fotografar. Amo fotografar. Se eu pudesse, passaria o tempo todo clicando, porque para mim a fotografia é uma forma de viver e deixar o mundo ver o que eu vejo.”
A história de Higa está entrelaçada com a história de Mato Grosso do Sul. Ele capturou momentos que marcaram a cidade, como a inauguração da primeira escada rolante da capital ou o início dos primeiros serviços de lava jato.
“As pessoas vinham de longe para dar uma volta na escada rolante. Era uma novidade para todos. Para nós, fotojornalistas, era nossa chance de mostrar o mundo através das nossas lentes.”
Higa também relembra da inauguração do primeiro lava-jato de Campo Grande. Para o grande evento de lançamento da inovação o primeiro carro a ser lavado foi o do prefeito de então.
“O carro do prefeito foi o primeiro a ser lavado, mas as cerdas novas riscaram tudo”, lembra com humor.
Outro momento que Higa recorda como marcante em sua carreira, foi a derrubada do antigo relógio da avenida 14 de julho, no centro de Campo Grande.
“Eu tinha 20 anos quando perdi o dia inteiro de um domingo só para fotografar o relógio. Ali aconteciam todas as festas populares. A derrubada dele começou no domingo e terminou na no domingo mesmo”.
Desafios pessoais e profissionais
Apesar de uma vida dedicada à fotografia, Higa agora enfrenta batalhas pessoais. Diagnosticado com câncer e Alzheimer, ele lida com as dificuldades de maneira resiliente.
“Essa doença te muda. A quimioterapia mexe com o emocional, e o Alzheimer faz você esquecer o almoço, mas lembrar de coisas de 50 anos atrás como se fosse ontem.”
Higa admite que a doença o tornou mais emotivo, mas também mais consciente da importância de viver um dia de cada vez.
“Eu me tornei muito emotivo. Qualquer coisa me faz explodir de alegria ou tristeza. Mas estou bem, graças a Deus. Vivo um dia de cada vez.”
Mesmo com as dificuldades de saúde, Higa mantém a paixão que guiou a vida. “Eu ainda durmo com a câmera ao lado. Sempre espero por uma cena para registrar, seja na rua ou até na televisão.”
O câncer e o Alzheimer, porém, não foram os únicos desafios. O fotojornalista também viveu os tempos difíceis da transição da fotografia analógica para a digital, uma mudança que, para ele, trouxe tanto ganhos quanto perdas.
“Antigamente, você revelava o filme no laboratório, lidava com químicos, com o escuro. Hoje, com o digital, o processo é mais rápido, mas você pode errar e corrigir.”
A mudança para a tecnologia digital deu-lhe, ele acredita, mais alguns anos de carreira. Aos 70 e poucos anos, ainda continua fotografando, sempre atento ao que está à sua volta.
O trabalho de Higa, que começou na adolescência e atravessou mais de seis décadas, faz parte da história de Mato Grosso do Sul. Ele não só registrou os fatos históricos, mas também foi um personagem central nesses momentos, seja nas pautas de polícia e esporte ou nos eventos mais marcantes da cidade.
Hoje, ele olha para trás e vê o quanto sua paixão pela fotografia não só documentou a história de Campo Grande, mas também foi uma forma de ele mesmo resistir às adversidades da vida. A fotografia é sua maneira de deixar um legado.
“Se você não expuser o seu trabalho, você nunca será conhecido. Eu sempre busquei ser reconhecido. E continuo buscando.”
E assim, como uma câmera em mãos, ele segue a jornada: vivendo um dia de cada vez, mas sempre imortalizando os momentos que fazem história. Em vida, Higa conseguiu o que muitos conseguem apenas após a morte, ser imortalizado para além dos registros e deixar o legado aos profissionais de mídia em Mato Grosso do Sul.