O ministro da Justiça, Sérgio Moro, avisou a Jair Bolsonaro que deixará o governo caso o presidente imponha um novo nome para o comando da Polícia Federal, atualmente ocupado por Maurício Valeixo. O Estado apurou que o ministro não aceita que essa troca venha de “cima para baixo”, e defende o direito de fazer a escolha.
Valeixo já havia tratado de sua saída do cargo de diretor-geral da corporação com Moro, que tentava encontrar um nome de sua confiança para o posto. A conversa ocorreu no início do ano. O delegado, amigo do ministro, demonstrou exaustão, reportando-se a um 2019 tenso na direção da corporação.
Bolsonaro, no entanto, avisou que ele mesmo escolheria um substituto. É a segunda vez que o presidente ameaça trocar a cúpula do órgão.
Embora a indicação para o comando da PF seja uma atribuição do presidente, tradicionalmente é o ministro da Justiça quem escolhe. Entre os nomes que são cotados para o cargo estão o do atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, e do secretário de segurança do Distrito Federal, Anderson Torres.
Valeixo foi escolhido por Moro para o cargo ainda na transição, em 2018. O delegado comandou a Diretoria de Combate do Crime Organizado (Dicor) da PF e foi Superintendente da corporação no Paraná, responsável pela Lava Jato, até ser convidado pelo ministro, ex-juiz da operação, para assumir a diretoria-geral.
Interlocutores de Valeixo dizem que a discussão sobre sua saída iniciada no começo do ano não teria relação com o que aconteceu no segundo semestre de 2019, quando Bolsonaro tentou pela primeira vez trocá-lo por outro nome. Na ocasião, o presidente teve que recuar diante da repercussão negativa que a interferência no órgão de investigação poderia gerar.
Nesta quinta, 23, Valeixo reuniu-se com os 27 superintendentes regionais nos Estados por videoconferência. Também participaram os delegados federais que ocupam diretorias estratégicas da PF. O diretor-geral descartou com veemência que sua saída seja movida por pressões políticas. Ele afastou rumores de que sua disposição em dar adeus à cadeira número 1 estaria relacionada à uma reação de aliados de Bolsonaro por causa de investigações que incomodam o Planalto.
No ano passado, após Bolsonaro antecipar a saída do superintendente da corporação no Rio de Janeiro, ministro e presidente travaram uma queda de braço pelo comando da PF.
Em agosto, o presidente antecipou o anúncio da saída de Ricardo Saadi do cargo, justificando que seria uma mudança por “produtividade” e que haveria “problemas” na superintendência. A declaração surpreendeu a cúpula da PF que, horas depois, em nota, contradisse o presidente ao afirmar que a substituição já estava planejada e não tinha “qualquer relação com desempenho”.
Nos dias seguintes, Bolsonaro subiu o tom. Declarou que “quem manda é ele” e que, se quisesse, poderia trocar o diretor-geral da PF.
Ex-juiz da Lava Jato, responsável pelas condenações mais importantes da operação, como a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Moro abandonou 22 anos de magistratura para ingressar no governo Bolsonaro. Ao aceitar o convite, disse que seu objetivo ao assumir um cargo no Executivo era endurecer a legislação de combate á corrupção no País.
Moro cumpriu agenda normal de trabalho
O dia de Moro começou com uma agenda normal de trabalho. Pela manhã, participou de uma videoconferência em qual respondeu perguntas da vice-presidente do Itaú Unibanco, Claudia Politanski, e o economista-chefe da instituição, Mario Mesquita.
Na ocasião, respondeu questionamentos sobre recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre liberdade provisória ou prisão domiciliar a presos do grupo de risco do novo coronavírus.
“Não há uma oposição absoluta do Ministério da Justiça. A nossa única preocupação é que os casos sejam tratados individualmente e que não sejam colocados em liberdade presos que se enquadrem na categoria de presos perigosos”, afirmou.
Moro citou que tem recebido informações “pontuais” de detentos perigosos ou com ligações a grupos criminosos que receberam o benefício de prisão domiciliar e que “simplesmente desapareceram”. Nesta semana, Valacir de Alencar, apontado como um dos líderes do PCC no Paraná, rompeu a tornozeleira eletrônica que utilizava após ser posto em regime domiciliar. A juíza Ana Carolina Bartolamei Ramos, da 1ª Vara de execuções penais de Curitiba, revogou a domiciliar.
“É uma medida até certo ponto válida, mas tem que se tomar certo cuidado”, disse Moro, afirmando que a postura do governo é a mesma de secretários estaduais responsáveis por segurança pública e administração prisional. Informações: Fausto Macedo, Andreza Matais, Rafael Moraes Moura, Tânia Monteiro e Pepita Ortega/ Foto: Gabriela Biló/ conteúdo ESTADÃO