Em 19 de agosto de 1839, ocorria a apresentação do daguerreótipo, apelido da imagem gerada pelo protótipo de câmera criado por Louis Jacques Mandé Daguérre. A data foi internacionalizada como o Dia Mundial da Fotografia. O processo criado por Daguérre não foi o único daquele período, mas foi cedido ao governo francês e, por isso, tornou-se popular no Ocidente. Cada registro consistia em uma imagem fixada sobre uma placa de cobre ou material similar sobre uma camada de prata, formando uma superfície espelhada. Meses depois, em janeiro de 1840, chegava o primeiro daguerreótipo no Brasil, que é comemorado em janeiro no Dia Nacional do Fotógrafo.
A palavra fotografia significa “desenhar a luz” em grego e ganhou diferentes interpretações ao passar dos anos. Seja a partir de câmera analógica, de uma lente teleobjetiva ou dos sensores de um celular, a fotografia tem um protagonista tão importante quanto o seu dispositivo: o fotógrafo.
Para o dia 19 de agosto deste ano, conversamos com cinco fotógrafos brasileiros que vivenciam a foto mundialmente a partir da fotografia de expressão, afetiva, fotojornalística e de rua. Em comum, todos os entrevistados preferem se definir apenas como fotógrafos (confira o depoimento no vídeo) e vivenciam um fato inédito em suas vidas profissionais e artísticas: a pandemia causada pelo coronavírus Covid-19.
Fotografia remota
“Acho temerário rotular a fotografia. Mas podemos dizer que sou uma fotógrafa de pessoas e de emoções”.
Assim se define Tainá Frota, apoiando sua defesa nas palavras do fotógrafo Ansel Adams, que defendia a fotografia como arte pura. Para Ansel e também Tainá, o ato de fotografar é um resgate de vivências, tanto dos livros lidos e filmes vistos quanto daqueles que amamos.
Angustiada desde muito nova pelo agir das pessoas ao seu redor, Tainá primeiro produziu exposições de artistas consagrados como Sebastião Salgado, Vik Muniz, Adriana Varejão até se dedicar ao seu trabalho de fotógrafa, encontrando no afeto e na intimidade das famílias seu combustível afetivo e fonte de renda.
Em tempos de isolamento social, o pânico foi sua primeira reação diante de tantas incertezas. “Até que um dia, com o intuito de enviar meu afeto e carinho a clientes e amigos que já estavam em quarentena na Europa, passei a fazer fotos via videochamada”, conta.
Pouco a pouco, a quarentena se tornou centenas de dias e Tainá já tinha feito mais de 70 ensaios de forma virtual. “A tecnologia se tornou uma grande aliada para que as pessoas mantivessem o contato com sua rede de apoio emocional, mas evidenciou e muito o quão insubstituível é o valor do convívio social presencial”, explica Tainá após optar responder a reportagem por um aplicativo de mensagem.
Busca pelo analógico
Quem se sente angustiado com esse “novo normal” é o fotógrafo e professor universitário Denis Renó. Por ser morador de um apartamento no décimo andar, não tem encontrado tantos elementos inspiradores para seu estilo de fotografia. “No começo da pandemia, eu fotografava o pôr do sol. Agora, eu já penso: pôr de sol de novo?”, brinca antes de confessar que havia acabado de ter clicado um novo crepúsculo.
Em tempos de pandemia, ele reconhece que o período traz inovações, mas carrega a sensação de frustração ao cumprir à risca o isolamento social. Dênis espera ansioso o momento em que poderá se desconectar e utilizar, novamente, a fotografia como forma de aproveitamento do tempo fora de sua casa, principalmente quando viajava.
Defensor da presença como um fator essencial à fotografia, Denis lembra que suas primeiras fotos aconteceram aos quatro anos em uma câmera japonesa da marca Pentax. Herança de família, ele ainda possui o dispositivo e conta que costumava usá-lo antes da pandemia para reviver os seus tempos de fotografia analógica. “Usava a Pentax [antes da pandemia] para matar saudade daquela relação da fotografia com a espera, a dúvida de que se a foto saiu boa ou não. Era muito legal.”
Fotografia doméstica
Em 1839, dificilmente se imaginaria que as pessoas estariam mais restritas aos cliques em suas residências por causa de uma pandemia biológica. Mas esse é o refúgio preferido e obrigatório da fotógrafa Zuleika de Souza. Ela viu em seu lar uma fonte de inspiração para suas composições. Ao morar com sua mãe idosa, que exige cuidados em tempo integral, a casa passou a fazer parte de seu lugar de fala como fotógrafa.
Atualmente, ela faz parte da organização de um festival internacional de fotojornalismo, o Fotobsb, que recebeu recursos públicos no Distrito Federal. Planejado em 2017 como um evento presencial, a fotógrafa comenta como a pandemia teve um efeito colateral positivo na dimensão do evento.
“A gente ia gastar mais o dinheiro com passagens, diárias. Agora, a gente conseguiu entrevistar o fotógrafo Tyler Hicks, do New York Times, ganhador do Pulitzer, e pode disponbilizar on-line”. O Dia Mundial da Fotografia coincide com o último dia do festival mas que, de acordo com Zuleika, ainda estará disponível para acesso remoto após o encerramento formal.
Para atrair interessados no evento, os idealizadores do festival elaboraram um concurso de fotografia e se surpreenderam com os números de fotos: cerca de 6 mil cliques. Em comum, boa parte retrata o olhar apreensivo de uma pandemia. “Tem foto feita de dentro do hospital de pai e filha que estavam com medo de terem Covid”. Essa foto a que ela se refere mostra um soro fisiológico pendurado e, ao fundo, um janela com luz difusa do Sol. “Acho que ela mostra esperança”, completa.
Falando em fotojornalismo
O trabalho de um fotojornalista envolve estar presente nos principais eventos do cotidiano para garantir informações visuais ao público. Normalmente se exige bastante esforço para garantir cliques em tempo real frente a equipamentos que chegam a pesar mais de 15 quilos. Essa é a rotina da fotojornalista Andressa Anholete. Presente nos principais acontecimentos políticos do Distrito Federal, Andressa conta como é a rotina de sua profissão ainda mais em momentos de crise como o que vivemos. Agora, Andressa conta com um peso adicional em sua mochila. Ao lado das câmeras, das lentes e do computador, ela carrega diferentes máscaras de proteção e álcool gel. “O fotojornalista trabalha ainda mais nesses momentos de crise. Eu estou cobrindo um fato e nessa hora você faz as melhores fotos e só depois lembra dos riscos”.
Pode parecer ironia do destino, mas Andressa revela que antes se incomodava ao usar a máscara de gás, equipamento de proteção individual adotado principalmente na cobertura das manifestações de 2013. Mas confessa que atualmente se sente bem menos incomodada com ela em relação às demais. “A gente usa mais a N95 e similares. Mas tem umas máscaras de pano que ajudam a embaçar o visor da câmera e a gente fica torcendo para que a câmera tenha focado direito”.
Apesar de atuar mais frequentemente como fotojornalista, ela também se enxerga como fotógrafa sem adjetivos complementares. No seu portfólio, ela expõe trabalhos artísticos sobre amor, família e ensaios sensuais como o projeto Imo onde busca retratar a essência de mulheres ao se despirem diante de suas lentes. Por causa da pandemia, teve que pausar temporariamente esses trabalhos para não colocar nenhum dos seus clientes em risco. “Eu nunca imaginei que recusaria alguns trabalhos. Mas são atos que geram intimidade e sempre há uma relação de confiança, uma troca. Logo, trata-se de uma questão ética independente da fotografia.”
Fotografia de rua
Cada vez mais comuns nos filmes e distante do mundo real, quem nunca imaginou a figura de um fotógrafo como aquela pessoa dentro de uma sala vermelha revelando negativos? Jefferson Barcelos conta que seu encanto surgiu exatamente de um laboratório fotográfico em preto e branco na universidade. Nascido no interior de São Paulo, em Ribeirão Preto, teve experiências profissionais na capital paulista, mas construiu sua carreira na cidade natal. Diz já ter fotografado para jornalismo, publicidade, moda, arquitetura etc. “Um pouco de tudo. Acho que eu sou fotografo!”
Prestes a defender seu doutorado em fotografia de rua, Jefferson analisa a mudança no gestual das pessoas devido ao uso obrigatório das máscaras. “Os sorrisos ou as caras amarradas compunham o gestual das pessoas, confesso que tenho ficado fascinado com o enigma que essas pessoas representam hoje. É assustador e fascinante na mesma proporção”.
Para os próximos trabalhos, espera experimentar a rua remota em parceria com aqueles que estão mais desassistidos e não podem se isolar com a mesma facilidade. “Quem sabe acionar um motoboy que tope capturar as imagens por videochamada em suas andanças pela cidade. É também um desejo de quebra de autoria, algo ainda muito sólido na fotografia tradicional”.
Jefferson defende que a pandemia abre espaço para a pós fotografia evidenciada pela man ifestação de uma outra linguagem nas mídias digitais. “Agora, o pós fotografo munido de um smartphone carrega, em apenas um click, todo o processamento que a fotografia demandou durante esses quase dois séculos de sua existência em um leve pressionar na tela.”
Olhares pré e pós-pandemia
Os entrevistados foram convidados a revisitarem alguns registros fotográficos anteriores à pandemia e pensar sobre as consequências causadas pela pandemia frente ao olhar do fotógrafo. O Carnaval surge como uma das lembranças mais comuns que se destaca pelo uso de máscaras como parte da fantasia e não da indumentária diária. Neste vídeo, Andressa Anholete e Zuleika de Souza comentam como estão encarando esses momentos de adaptação:
Informações: Agência Brasil / Foto capa: Zuleika Souza