Proposta como uma alternativa menos invasiva aos métodos tradicionais, o tratamento para o câncer com imunoterapia tem sido um dos grandes avanços da área nos últimos anos, mas ainda enfrenta limitações. Além do custo elevado, menos de 25% dos pacientes se beneficiam com os medicamentos, e identificar se o organismo responderá ou não à terapia pode levar até seis meses. Essa demora, considerada um dos grandes entraves para o uso dos imunoterápicos, pode deixar de ser uma realidade. Pesquisadores criaram biossensores sintéticos que, acoplados ao remédio, foram capazes de sinalizar de forma rápida se o tratamento está ou não funcionando.
A novidade, recém-publicada na revista científica Nature Biomedical Engineering, foi projetada por cientistas do departamento de Engenharia Biomédica da Georgia Tech e Universidade Emory, nos Estados Unidos. Os biossensores funcionam como uma espécie de chip e são anexados aos medicamentos. Quando chegam ao tumor, caso o organismo esteja respondendo à terapia, eles são ativados e passam a liberar substâncias que se concentram na urina.
“Então, quando olhamos para a urina, recebemos sinais muito concentrados, que aumentam ou diminuem, correspondendo se os pacientes estão respondendo ou não ao tratamento”, explica o autor do estudo e professor da universidade, Gabe Kwong, em comunicado.
Isso acontece porque os biossensores são ativados por enzimas produzidas pelos linfócitos T de defesa, que apenas estão presentes na região do tumor caso as células do sistema imunológico estejam atuando. A presença dessas enzimas significa, portanto, que o tratamento está surtindo efeito, uma vez que o objetivo da imunoterapia é levar o próprio organismo do paciente a identificar e combater o câncer.
“Nós raciocinamos que, se os pacientes estão respondendo à droga, isso significa que essas células T estão produzindo proteases e, se não estiverem respondendo, essas proteases não estão presentes, então as células T não estão ativas”, afirma Kwong.
Avaliar resposta ao tratamento é um desafio
Doutor em oncologia experimental e presidente do Instituto Oncoclínicas, Carlos Gil explica que, no caso da quimioterapia, é possível avaliar se o tumor está respondendo ao tratamento com a análise de uma tomografia geralmente após três ou quatro aplicações. Porém, com a imunoterapia, a avaliação é mais complexa. Isso porque as células de defesa passam a se concentrar na região do câncer, o que pode dar a falsa impressão de que o tumor aumentou se um exame de imagem for feito de forma precoce.
— Por isso, eu preciso esperar de quatro a seis meses para avaliar se o paciente está de fato respondendo ou não à imunoterapia. Só que eu estou lidando com um tratamento de alto custo e que o paciente não pode ficar tanto tempo sem saber se está tendo efeito — destaca Gil.
Segundo o especialista, isso faz com que a busca por marcadores que mostrem se o tratamento com imunoterapia está funcionando ou não seja uma das áreas de maior interesse na oncologia hoje, e os biossensores podem ser um eventual caminho para isso.
— O estudo mostrou que o uso de biossensores é viável do ponto de vista tecnológico, agora é verificar se funciona na prática clínica. Ainda são necessários mais estudos para que se tornem realidade, mas é uma nova porta que se abre numa área extremamente importante para o tratamento do câncer —afirma o oncologista.
Imunoterapia é considerada um tratamento inovador
No estudo com os biossensores, o tipo de imunoterapia escolhido é o mais utilizado hoje e funciona com um mecanismo chamado “inibidor de checkpoint”. Também chamados de pontos de verificação, os checkpoints são proteínas que as células do corpo humano carregam que indicam ao sistema imunológico que elas fazem parte do organismo, e não devem ser atacadas.
No entanto, as células cancerígenas têm a capacidade de desenvolver um ou mais destes pontos de verificação, o que faz com que as células de defesa não reconheçam aquele tumor como algo a ser combatido. Com os medicamentos imunoterápicos, esses pontos são bloqueados e o sistema imunológico passa enfim a atacar o câncer.
Apesar de não funcionar para todos os tumores e para todas as pessoas, a terapia é considerada uma aposta promissora do campo, e os seus criadores, o americano James P. Allison e o japonês Tasuku Honjo, receberam o prêmio Nobel de Medicina pela descoberta em 2018.
— No futuro, eu acredito que a imunoterapia será um tratamento tão usado quanto a quimioterapia. Ela tem uma série de benefícios, é bem mais tolerada, menos invasiva, com efeitos colaterais menores. Ela também eleva a qualidade de vida do paciente, às vezes com uma resposta mais duradoura — diz o presidente do Instituto Oncoclínicas.
Fonte: O Globo / Foto: Divulgação