Casada com Charles, Lady Di teve um papel fundamental na monarquia britânica ao se tornar a princesa do povo

Elizabeth II era “longínqua, formal, misteriosa” antes de Diana e continuou a ser “longínqua, formal, misteriosa” depois dela. Mas tornou-se “longínqua, formal, misteriosa” de maneira diferente. E isso também é muito importante para perceber o reinado da rainha.

“Eu declaro perante todos vós que toda a minha vida, seja ela longa ou curta, será dedicada a servir-vos e a servir esta grande família imperial à qual todos pertencemos”: 21 de abril de 1947, Elizabeth II ainda não era Elizabeth II, tinha acabado de fazer 21 anos e foram palavras da própria no seu aniversário.

8 de setembro de 2022: morreu, teve uma vida longa, portanto, a missão terminou aos 96 anos de idade e aos 70 de reinado, viu muito, viveu muito, viu tudo transformar-se – assistiu à reprodução e expansão da fotografia a cores, ao surgimento da televisão a cores, ao nascimento da Internet, mas também fez parte de momentos históricos fundamentais e lidou com várias mudanças políticas: o pós-Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria, os conflitos na Irlanda do Norte, a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e agora uma guerra às portas da Europa.

De Churchill a Truss, pelas suas mãos ou pelas salas do Palácio de Buckingham passaram 15 primeiros-ministros enquanto ela lá esteve. Viveu também escândalos familiares: as acusações de abusos sexuais contra o príncipe Andrew, passou por aquele dia em que Harry e Meghan abdicaram dos seus títulos reais (o Megxit), teve de lidar com as fotos em topless de Kate Middleton, com o casamento de Charles e Diana e tudo associado a ele. Resistiu. Elizabeth II tem o segundo maior reinado de sempre da História mundial, apenas atrás de Luís XIV de França – 72 anos e três meses.

“Isto permite-lhe ter um legado histórico fortíssimo, uma vez que é a última figura histórica que liga a Europa a um dos momentos mais importantes da sua História mais recente: a Segunda Guerra Mundial”, diz à CNN Portugal Filipe Vieira Martins, especialista em famílias reais europeias.

Para Diana Soller, comentarista e especialista em assuntos internacionais, do ponto de vista político “a rainha fez quase tudo bem até ao fim”.

O que é que isso quer dizer? “Quer dizer representar o seu país com toda a dignidade, com toda a honra e saber qual é o seu papel. Ou seja, nunca exceder as suas funções constitucionais e deixar sempre para o poder executivo, legislativo e judicial o papel de governo da Grã-Bretanha, que não era o papel dela. O papel dela era representar. O último exemplo disso é o Brexit. A rainha Elizabeth II foi embora sem saber se ela queria ou não o Brexit. Estamos perante uma monarca de exceção”.

Apesar de ter reinado 70 anos, pouco se sabe sobre a vida da monarca, sobre “o que pensava, quais as suas ideias sobre o avanço do mundo, como viveu os tempos atuais”, comenta Filipe Vieira Martins. E era assim porque “não fazia parte do seu papel” fazer diferente disto.

D. Duarte Pio, duque de Bragança, diz mesmo que Elizabeth II era tratada por cada inglês “como alguém da família”. “A sua capacidade de empatia com as pessoas, sobretudo desde o começo da televisão, foi uma das características que marcou o seu reinado”, aponta. “E por isso os ingleses devem sentir-se hoje como se tivessem perdido alguém da sua família”, finaliza.

Na perspectiva de Diana Soller, a monarca passou por três fases: “Uma primeira fase em que ela é uma muito jovem rainha, com uma popularidade muito alta por três motivos essenciais: o político, por fazer muito bem a descolonização; o pessoal, por ser uma rainha tão jovem e bonita para os padrões da época; e por ser uma rainha que soube usar muito bem os órgãos de comunicação social a seu favor”, aponta.

“Depois houve uma segunda fase, que corresponde ao casamento de Charles com Diana, em que a popularidade da rainha cai a pique porque Diana passou a ter um papel absolutamente fundamental na monarquia britânica – nomeadamente com um novo tipo de papel que os monarcas não tinham, o papel de princesa do povo”, prossegue Diana Soller.

“E o que é curioso é que foi na terceira fase, já depois da morte prematura da princesa, que a figura de proa da coroa britânica voltou a ser a rainha Elizabeth II. E há um conjunto de razões para isso: a primeira é que ela aprende com Diana e, de alguma maneira, sem nunca perder a sua identidade – longínqua, formal, misteriosa -, acaba por adotar uma atitude mais próxima do povo britânico que a torna novamente popular aos olhos dos britânicos”, finaliza.

Diana mudou muito a percepção da família real e Elizabeth II “não cortou com esse legado”.

Elizabeth II foi a primeira monarca que fez questão que toda a sua cerimónia de coroação fosse transmitida diretamente na televisão. Já no fim do reinado teve de se adaptar às redes sociais, nomeadamente ao Instagram.

“Esta rainha soube adaptar-se aos tempos sem nunca ceder aos tempos, sem nunca ceder à importância da tradição”, defende Diana Soller. “Quando a rainha chegou ao poder havia a rádio. A rainha sai do poder e os chefes de Estado dirigem as suas condolências pelo Twitter”.

A impopularidade de Charles

Charles é agora o rei de Inglaterra. Esperou 70 anos para o ser e durante esse tempo esteve envolvido em várias polémicas que não o tornaram uma figura muito acarinhada pelos britânicos.

Pode isso abalar a monarquia de alguma maneira? Filipe Vieira Martins considera que não. “Acho que em qualquer transição de poderes existe sempre essa questão. A rainha viveu coisas e representou o povo britânico em alturas cruciais da sua história, algo que não acontece com o seu sucessor. E isso tem impacto. E depois existe a popularidade que a rainha tinha e o seu sucessor não tem. Se isso vai abalar o sistema? Diria que não”.

Ainda assim, existem alguns britânicos que defendem que se poderia “saltar” o reinado de Carlos e passar a pasta diretamente para o príncipe William. Mas Elizabeth II sempre deixou claro quem seria o seu sucessor: Charles, agora rei Charles III.

Para Diana Soller, “tudo aquilo que ele fizer nos próximos tempos vai ser comparado com a rainha”. A comentarista da CNN Portugal também não acredita que a monarquia possa ficar debilitada com a saída de Elizabeth II.

Pelo contrário, “eu acho que, por um lado, o legado da rainha perdurará e, por outro lado, penso que o casal William e Kate é um casal que vai reinar e que é muito popular entre os britânicos. Por isso, a menos que o rei Charles III cometa algum erro que seja oneroso para a monarquia, eu não vejo indícios que a monarquia possa sofrer com a saída da rainha”, opina Diana.

D. Duarte Pio tem um olhar diferente sobre a sucessão de Charles. “Há seis anos fizeram uma sondagem: ‘Se Inglaterra se tornar uma República, quem é que podia ser o Presidente?’. E a primeira resposta foi o príncipe Charles. Eu acho que no momento em que ele chegar a rei e as pessoas perceberem o que de facto ele é, esse problema (da impopularidade) vai mudar”.

 

Fonte: CNN Brasil / Foto: Terry Fincher /etty Images

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