Ana Júlia faleceu de causas naturais em Bonito, indica a autópsia realizada no corpo do animal, porém, a comoção em torno de sua partida mostra que ela ajudou a desmistificar imagem de perigosa das grandes serpentes brasileiras
“Uma gigante gentil”, é assim que o documentarista Cristian Dimitrius descreve Ana Júlia, a sucuri encontrada morta em março deste ano em Bonito e que ganhou os noticiários por supostamente ter sido assassinada. O resultado da necropsia indica que a anaconda faleceu de morte natural, após por mais de uma década ajudar a desmistificar a imagem de perigosa das grandes serpentes.
“Eu me aproximava bastante debaixo da água. Ela simplesmente se afastava, vinha, sentia a câmera e depois se afastava. E nunca, nunca demonstrou agressividade. É o que mostra, desmonta, desmitifica essa ideia de que esse animal é uma besta assassina que vai comer a gente quando a gente se aproximar. Não tem nada disso”, defende Cristian Dimitrius.
Há uma semana, Ana Júlia foi encontrada morta às margens do Rio Formoso, um dos mais famosos de Bonito, aquele de águas cristalinas, que fazem qualquer turista suspirar. A cidade que fica a 283 Km de Campo Grande e já foi eleita diversas vezes como principal destino do ecoturismo no mundo foi o lar de sucuri por anos.
Em um primeiro momento, a notícia que se espalhou foi de um assassinato por arma de fogo, um crime ambiental.
“A comunidade ativa e participativa de bonito acionou a PM [Polícia Militar] por meio dos canais de comunicação, tento um possível acometimento de um animal silvestre, então fomos até o local informado e já encontramos em estado de putrefação do animal e não foi possível constatar se houve ou não esse abatimento do animal referido”, ressalta Diego da Silva Ferreira Rosa, subcomandante da PMA.
Mas, logo que a equipe analisou o animal mais de perto, foi possível notar que ela não tinha ferimentos de arma de fogo. “Conclui-se naquele momento que o animal não tinha nenhuma perfuração, nem por arma de fogo e nem por material perfurante. Mesmo assim foram retiradas amostras do animal e encaminhadas para Campo Grande pra ver se não poderia ter algum tipo de lesão contundente”, frisa.
Análises das amostras foram feitas e constataram que Ana Júlia faleceu de causas naturais.
“Pudemos fazer exames complementares e isso já foi feito também. Ela realizou outros exames, como imagens por Raio X, para que ela pudéssemos ter uma certeza absoluta de que esse animal não sofreu nenhum tipo de disparo de arma de fogo”, ressalta Emerson Lopes dos Reis, do Instituto de Criminalística de Mato Grosso do Sul.
O prazo para conclusão do laudo é de um mês, mas a perícia já tem o resultado. “Nós fizemos exames radiográficos, não encontramos nenhuma fratura na região da cabeça, que era suspeita inicialmente de ter sido lesionada e descartamos a hipótese de morte violenta. Visto que o animal não teve uma morte violenta resta por tanto uma morte por consequência de uma patologia ou alguma questão própria do animal onde ele vive, não de interferência humana, na morte desse animal”, frisa.
Maristela Melo de Oliveira, perita criminal
Mais de 6 metros
No processo para descobrir a morte, os peritos puderam medir Ana Julia de perto. Ela tinha 6,32 metros. Um recorde, segundo Juliana de Souza Terra, doutora em Ecologia pela USP (Universidade de São Paulo).
“Apesar das pessoas sempre relatarem que viram bicho de 8, 9,10 metros, não é comum encontrarmos sucuri acima de 6 metros, são poucos os registros. O mais comum é que essas fêmeas que a gente chama de gigantes, as fêmeas de grande porte, fiquem ali em torno de 5 metros. São os tamanhos mais comuns que elas chegam que a gente encontra. Sim, a Ana Júlia era uma raridade aqui na região”.
Juliana de Souza Terra, doutora em Ecologia pela USP.
Conhecida e querida por todos
“A gente, como documentarista de natureza, sempre busca aquele animal mais amigável, que aceita a nossa presença. E a Ana Júlia aceitou desde o início. Desde esse momento, eu soube que era um animal especial”, defende Cristian.
Ana Júlia recebeu esse nome em homenagem a sua origem: como anaconda e também em referência a música famosa da banda Los Hermanos.
“O nome da espécie em inglês é Anaconda. Então, o Ana já veio automático. Ana, alguma coisa. E o Júlia veio por causa da música dos Los Hermanos, Ana Júlia, o Ana Júlia. Então, meio que foi o primeiro que veio na cabeça e o primeiro que pegou. Mais tarde, ela também recebeu outro nome de Vovózona, devido ao seu tamanho, por outros guias que começaram a trabalhar na região. Então, ela tem esses dois nomes, mas é uma sucuri que quem viu conhece, sabe?”, frisa o documentarista.
Ana já foi registrada diversas vezes e viralizou na internet ao nadar ao lado do biólogo holandês Freek Vonk.
“Por ela estar na natureza, a gente não podia afirmar que nos vamos encontrá-la, ela tá na natureza, na liberdade dela. E ai você chegar nesse ponto e conseguir avistá-la e mostrar pra pessoa que veio com essa vontade de conhecer, de ver ela, era gratificante”, explica o monitor ambiental, Joanir Servin de Oliveira.
O Rio Formoso era seu lar
Ana Júlia morava no Rio Formoso, um dos mais famosos de Bonito, um dos vários de águas cristalinas.
Para chegar onde a sucuri morava, somente de bote e encarando as pequenas quedas d’água. Ela sempre tomava banho de sol em um dos barrancos e era neste momento que os turistas conseguiam avistar a cobra.
“Nos registros que a gente fazia com o passeio, a gente via ela e falava pras pessoas, ninguém se move, ninguém faz barulho, só admira. o pessoal admirava ela e ela estava acostumada a gente passar ao lado dela, e ela naquele canto ali. Uma turista minha viu e começou a chorar porque ela queria ver tanto e ali estava na frente dela, aquela imensa serpente. Ela ficou emocionada e chorava, você não sabia o tanto que queria ver um bicho assim, encantada”, relembra Vilmar de Oliveira Teixeira, motorista e que também já trabalhou como monitor turístico.
História de um legado
Para a cidade é difícil saber que Ana Julia não estará mais em suas rochas. “O passeio de bote não era só descer a cachoeira, não só vamos nadar no Rio Formoso, o passeio de bote se tornava um passeio único para o turista que é um relato que nos deixa triste saber que não vamos ter ela mais aí”, frisa Joanir Servin de Oliveira, monitor ambiental
“Nós temos, hoje não só pra nós do turismo, a cidade esta de luto por conta disso. É um animal que representava o passeio de bote, mas representava Bonito, muita gente falava: eu vim porque ouvir falar que tem uma sucuri gigante”, complementa.
Para a doutora em Ecologia, Juliana de Souza Terra, Ana Júlia contribuiu para desmistificar a espécie. “Eu tenho certeza que a Ana Júlia contribuiu para desmistificar um pouco a espécie. Tanto é que a gente viu essa grande mobilização, sensibilização de pessoas, acredito ter sido um dos primeiros casos dessa grande mobilização frente à morte de uma sucuri. Ela deixa esse legado e faz com que a gente tem um pouco de esperança de que no futuro possa ver uma coisa existência saudável respeitosa entre seres humanos e a fauna silvestre”, frisa.
Uma amiga de longa data para quem a acompanhou de perto.
“Um animal desse porte é extremamente importante para o ecossistema. Ela é um gerador de filhotes, de sucuri. A cada dois anos, ela casala e eu filmei ela acasalando já. Ela, a cada dois anos, fornece muitas sucuris para aqueles rios. Então, é uma grande perda. Com certeza, é um animal emblemático para a região e ela, como embaixatriz da espécie, foi importante na vida e não seria diferente na morte. Com certeza, eu perdi uma amiga, uma parceira. E nunca vou esquecer da importância da Ana Júlia”.
Cristian Dimitrius, documentarista ambiental