Batalhador, espirituoso, forte e, principalmente, humano, Adílson Rodrigues faz o país rir e chorar com seu jeito puramente brasileiro
Quem tem mais de 45 anos de idade e acompanha o esporte brasileiro tem algum tipo de memória de um boxeador grande, forte, engraçado e irreverente que dominou o cenário da sua modalidade no país entre as décadas de 1980 e 1990. Nascido José Adilson Rodrigues dos Santos, ficou imortalizado como Maguila, em uma referência talvez racista ao personagem dos quadrinhos (um gorila divertido e doce que tinha como melhor amiga a neta do dono da loja de animais onde ele vivia). Alçado à fama tanto por suas vitórias no peso-pesado – categoria nobre do boxe mundial, mas que jamais havia tido um brasileiro de destaque – quanto por suas tiradas espontâneas nas entrevistas após as lutas, quando mandava abraços igualmente para patrocinadores e para amigos anônimos de infância, o gigante gentil conquistou o país.
Maguila não teve oportunidade de estudar. Começou a trabalhar cedo, ainda menino, mas viu no boxe uma chance de tentar seguir os passos do seu ídolo, Muhammad Ali, que idolatrava mesmo sem ter televisão em casa. Grande e forte, o sergipano de Aracaju tinha talento. Rapidamente conquistou os títulos brasileiro e sul-americano da categoria. Suas lutas paravam o país, e tão aguardadas quanto o resultado, eram os agradecimentos e as tiradas que continham um humor quase infantil.
Maguila foi uma espécie de Rocky Balboa brasileiro. Enfrentou dificuldades, veio de baixo, construiu seu caminho com a força dos seus punhos. Nocauteou e foi nocauteado. Foi campeão e perdeu cinturões. Não ficou rico como o personagem do cinema, talvez por não ter a habilidade necessária nos negócios, mas construiu uma nova vida para ele e sua esposa, Irani, que teve que responder por décadas que não estava com ele por interesse, e sim por amor. Os dois ficaram juntos até o fim, em uma história que diverge da do “Garanhão Italiano” apenas por um detalhe: ele partiu primeiro.
Maguila era cada um de nós, brasileiros. Não teve facilidades, mas aproveitou todas as chances que apareceram diante de si. Enfrentou lendas, como Evander Holyfield e George Foreman. Mesmo sabendo que provavelmente perderia, subiu no ringue, encarou os gigantes e, nas derrotas, foi digno. Do seu jeito, também virou uma lenda. Hoje, quem fala no boxe brasileiro de Éder Jofre, Acelino Popó Freitas e Miguel de Oliveira, também fala de Adílson Rodrigues. Maguila teve seu título de campeão mundial contestado – diziam ser de uma organização inferior. E talvez fosse.
Teve vitórias contestadas, como a conseguida diante de James “Quebra Ossos” Smith, o americano que havia suportado 12 rounds contra Mike Tyson no auge e mostrou-se incrédulo ao ver que havia perdido por pontos para o brasileiro. Mas jamais mudou. Manteve-se fiel a si mesmo sempre.
No fim da vida, Maguila sofreu as consequências do esporte: desenvolveu demência pugilística, um mal neurológico que acomete boxeadores mundo afora. Teve sua imagem preservada pela família, que nos deixou apenas com as memórias de um ser humano simples, autêntico, batalhador, irreverente e absolutamente brasileiro. Feliz daquele que, ao encerrar sua história, sempre será lembrado com um sorriso. Obrigado, Maguila. Você agora é imortal.